PATRIMÓNIO DOS POBRES

Era uma destas manhãs frescas de Agosto. Eu, com a janela aberta da carrinha, saboreava o agradável e ameno vento depois de uma noite quente, louvando a Deus por aquele alívio que me era oferecido.

Ia com pressa para a cidade, fazer não me lembro bem o quê, quando de relance vejo uma mulher acompanhada de um menino dos seus oito ou nove anos, com um bebé ao colo. Alta, magrinha, pareceu-me aquela pobre de que já falei aqui. Pressenti que devia parar, inverter a marcha, agarrar-me a ela e pô-la na sharan para a libertar daquela caminhada, pois sabia que tem passado fome mais os filhos e, até, carência da medicação, adivinhando que se dirigia à Casa do Gaiato.

Não o fiz por causa da pressa, mas passados alguns momentos, senti na minha consciência a reprovação de Jesus na parábola do samaritano. O sacerdote passou, olhou de lado e continuou o seu caminho. Levava pressa como eu. Quando regressei a Casa, logo a D. Conceição me pôs a par do acontecimento:

- Está ali a fulana.

Várias vezes esta senhora, que em Casa dá muito dela, me fez sentir as carências desta infeliz. «Ela grávida, ainda dá a mama aos dois filhos mais novos. Estou farta de ralhar com ela. Isto prejudica-a, pois está tão magrinha, anda com dores nas costas, grávida e ainda a dar mama aos dois mais novos. Já lhe ralhei, e ralhei a sério, dizendo que esta acção prejudica as crianças e maltrata a sua saúde! Mas ela é tão terna com os filhos!» Este bebé que transporta nos seus braços, a caminho da nossa Casa, nasceu há treze dias e ela vem ver se arranja comida para a sua menina, pois a mama secou.

Claro, que a D. Conceição já lhe tinha arranjado um abundante avio mas, agora, como mandá-la carregada para a sua casa, que dista bem mais de sete quilómetros.

- Ela não paga a renda há dois meses e quer ver se o senhor lhe dá um cheque para ela não ir para a rua -, implora, dorida, a D. Conceição.

Gosto de observar a larga maternidade desta mulher providencial, que o Senhor pôs na Casa do Gaiato. Não só dá, instintiva e permanentemente, a sua maternidade aos Rapazes, mais ainda se reparte com os pobres, fazendo-se também mãe deles, incarnando as suas dores e aflições.

Eles já sabem, chegam à Casa do Gaiato e perguntam por ela.

Quantas mulheres cristãs, por esse mundo fora, não poderiam, como esta, dar também de si uma fecundidade tão admirável?! Quantas?! Mas têm medo! Falta-lhes a segurança, como se esta, e a de todos os cristãos, não fosse o Senhor. Como se o alicerce da fé, estivesse no dinheiro, quando chegar a velhice! Como se as palavras usadas várias vezes ao dia: sois o meu refúgio, a minha fortaleza e a minha força, fossem apenas poesia que o salmista põe na boca, sem entrar no coração, para entreter tempo, e não verdades certas e seguras! Quantas mulheres com capacidade e falta de fé se entregam a tarefas bem menos nobres, somente porque se julgam mais seguras!

- Como é que a pobre leva um avio tão pesado?

- Não pode mandar lá um rapaz na carrinha levá-la? - Mendiga a senhora.

Ninguém como esta sente a importância da mãe, em casa com os seus filhos. Ainda lhe alvitrei:

- Porque não a chama e não lhe dá aí de comer?!

- Não. É melhor que vá para casa -, continua. E o Assana deixou o prato da sopa a meio e foi levar, no nosso carro, a pobre a sua casa!

- Já lhe deu o cheque? - Assegurava-se ainda a senhora.

- Já, pode estar descansada -, retorqui.

O pai das crianças está preso por não pagar uma multa de setecentos euros de 2013. É muito acriançado! Muito irresponsável! Como sabe guiar, pensa que o pode fazer com segurança, sem tirar carta. Depois quem sofre? Não é só ele que vai para a cadeia, onde cada dia conta apenas cinco euros, mas também a mulher e os filhos. Não sei se a Justiça é igual para todos! Não sei, é fácil mandar prender um homem assim. Ninguém o defende. Ninguém contesta, torna-se fácil. Só os que roubam muitos milhões... e têm bons advogados... esses ninguém os prende com tanta facilidade! Presumem-se inocentes.

Como foi preso, o Estado retirou-lhe o rendimento mínimo, e a família ficou à míngua, até que a burocracia atribua à mãe aquilo que era dado em nome do preso. A lei é cega, ninguém se apresenta com poder para localmente, com a rapidez exigida de quem come todos os dias, resolver o problema. Ninguém! É preciso esperar meses!

Tem trinta anos esta mãe de família. A ignorância é uma das suas grandes inimigas. Seis filhos é carga a mais, para quem possui tão pouco! Quantas com abundâncias de bens limitam as fontes da vida humana ou matam os seus frutos, deixando-se levar pelas ilusões do mundo, com passeios, férias, comezainas em bons hotéis e restaurantes, conhecendo o que há de mais culto e mais belo na terra, negando-se a pensar que esta vida é limitada e a morte certa!

O Património dos Pobres não só é salvação para estes pobres como abre os olhos a injustiças que ficariam encobertas, se não fosse a Obra da Rua a revelá-las!

Padre Acílio