PELA CASA DO GAIATO DE SETÚBAL

São muitas e variadas as vezes em que pretendo prestar as devidas e merecidas "informações" sobre a caminhada que vamos realizando nesta Casa do Gaiato de Setúbal, mas assalta-me, cada vez que me proponho ao desígnio da escrita, uma expressão que, por justificadas situações, terá provocado esta ausência: "A palavra é prata, o silêncio é ouro."

Mas também é verdade o que diz o provérbio "quem não é visto, não é lembrado". E de facto "O Gaiato" é este meio de ligação ininterrupto da nossa vida partilhada com as vidas de todos os assíduos e estimados leitores.

Há uns dias, um dos nossos prezados assinantes contactou-nos solicitando a possibilidade de nos visitar, ao que respondemos positivamente, fazendo justiça à nossa realidade de "porta aberta". Foi um sábado à tarde, e depois de vários encontros e desencontros nas encruzilhadas que percorreu desde a "grande Lisboa", lá acabou por nos encontrar na nossa quinta junto de Brejos do Assa, onde fica a nossa Casa.

Depois de 48 anos de assinante do nosso jornal e assíduo benemérito de Setúbal, veio até nós, e comigo esteve o chefe maioral no seu acolhimento. Talvez tenha sido a história de como se tornou assinante, contada por ele, que me moveu a repensar a "obrigatoriedade" da presença junto de todos vós.

Conta que no dia 27 ou 28 de abril de 1974, no fervilhar da Revolução dos Cravos, na zona do "Chiado", entre o rebuliço dos comerciantes de rua, os vários ardinas pregoeiros das frescas notícias que, pela circunstância envolvente, sem qualquer pudor, usavam uma linguagem bem "brejeira", conseguiu vislumbrar um "jovenzito" que se destacava pela compostura e simplicidade, tendo a tiracolo uma bolsa de jornais e pendente no braço um exemplar dos mesmos. Foi precisamente a ele que se dirigiu, e comprou o já "famoso" Gaiato. Diz que desde esse momento nunca mais deixou de ser um diligente leitor... Depois de fazer uma visita à quinta, iniciando, como é nosso apanágio, pela Capela que encerra uma beleza ímpar e que tem de ser o "centro vital" de toda a "nossa vida", tivemos oportunidade de ter uma animada cavaqueira à mesa da "salinha". Ficou a promessa de futuras visitas, até pelo facto de ter havido uma certa sintonia gerada por interesses comuns, em torno das actividades agrícolas que aqui desenvolvemos e as que ele vai realizando com muito agrado, como um "hobby" pessoal.

Naturalmente, ao longo de todo este tempo de "silêncio", claro que os trabalhos inerentes à nossa vida de família não ficaram pendentes. Antes de mais as tarefas agrícolas, sendo que este ano conseguimos realizar a poda da generalidade das árvores, incluindo o pomar das laranjeiras, conseguimos renovar o sistema de rega e procedemos à limpeza do pinhal que, desde a sua plantação, nunca viu "machado", estando a perder-se o potencial dos seus ricos pinhões, e a respetiva valorização económica.

Pelo investimento na rega de mais alguns hectares da propriedade tivemos o retorno gratificante de uma colheita frutuosa de silagem para as nossas vaquinhas que, apesar da conjuntura internacional, julgo não passarão necessidades. Ainda no que concerne ao que é exigido às explorações agrícolas, atualizamos equipamentos de ordenha e no estábulo investiu-se no que hoje se apelida de "bem-estar" animal.

Mas o mais importante na nossa missão são claramente os nossos rapazes, visando, antes de mais, salvaguardar o seu bem-estar e a formação holística da sua vida.

Quanto ao aproveitamento escolar foi pleno, o que nos deixa gratos pelo seu empenhamento, ainda que com alguns percalços pelo caminho, mas isso faz parte das suas características. Como dizia o Padre Américo: "Eu cá gosto de rapazes que vibrem...o Gaiato, ainda o mais educado, não é um anjinho. O saltar..., o quebrar louça e vidros...diabruras espontâneas - válvula de equilíbrio e nada mais!".

Durante o ano passado pretendeu-se responsabilizar os "chefes" nas reuniões semanais, algo em que vamos continuar a apostar, até pela proposta eclesial de "sinodalidade". Desejamos que, cada vez mais, os gaiatos sintam que têm pleno direito à "participação inteira" na vida da Casa, circunstância que é fundamental para que todos se reconheçam e se assumam como actores e co-autores dos seus próprios projectos de vida, que se desejam consistentes e duradouros. Facto que, de acordo com a linguagem sinodal, só será possível com a realização de uma vida "muito mais participada, activa, discernida", pensamento e convicção que estão claramente subentendidos no lema: "Obra de Rapazes, para Rapazes, PELOS Rapazes".

Padre Fernando